Lições em Saúde Mental

A violência em São Paulo e a tempestade Sandy.

Dr. José T. ThoméNo início do mês, durante os dias posteriores à passagem da tempestade Sandy pela costa leste dos Estados Unidos, o governador Chris Christie, do estado de Nova Jersey, e o presidente Barack Obama, desembarcaram nas áreas mais devastadas do estado, e apresentaram o seu apoio à população local. A atitude do governador republicano, que enalteceu o apoio e chegou a abraçar o presidente, justamente na reta final da campanha por reeleição, ainda gera desconforto entre seus colegas de partido, que lhe creditam a culpa pela subsequente derrota dos Republicanos nas urnas. Entretanto, avaliando a atitude desses dois homens públicos sob o ponto de vista da Saúde Mental – e é prudente relembrar que o termo também deve ser interpretado como sinônimo de Qualidade de Vida – a presença do Governador e do Presidente, enquanto efetivo operacional, pouco colaborou com o pronto atendimento prestado à população severamente prejudicada. Talvez tenha até gerado transtornos para as equipes de resgate. Mas a percepção social da atitude e seu significado como postura de líderes diante de um evento avassalador, sem dúvida, representam excelente referência de oferta de suporte emocional, para minimizar os impactos psicológicos que afligem pessoas sãs, expostas em catástrofes.

Situações adversas extremas como essa, colocam à prova o equilíbrio psíquico de todos os que foram expostos ao evento disruptivo – incluindo a população diretamente afetada, os profissionais do atendimento emergencial, e também as pessoas que “participaram” da tragédia através dos meios de comunicação. No período imediatamente posterior ao evento, uma parcela expressiva desse grupo de indivíduos poderá se desestabilizar emocionalmente e adoecer, enquanto as suas mentes buscarem uma forma de elaborar o acontecimento vivenciado, para unir “representação da memória do fato, com sentimento”, em um processo que o médico e psicanalista Sigmund Freud resumiu em: “Repetir, lembrar e elaborar”. E nesse período, muitas vezes a simples ação de amparo físico, que resgate a percepção de organização social e coletividade para suplantar as limitações individuais inerentes à espécie humana, pode transmitir a segurança de alguém disponível para compartilhar a citada experiência emocional ainda sem contornos, estabelecer a relação confortadora presente na memória afetiva de todos, e contribuir para que a pessoa afetada se estabilize. Em Nova Jersey, portanto, a resposta do Estado, representada nas presenças de Obama e Chris, e no suporte em Saúde Mental oferecido às pessoas afetadas pela Tempestade, certamente contribuirão para evitar que em boa parte da população, essa experiência emocional desestabilizadora, reviva antigos sentimentos de desamparo e feridas emocionais, que predispõe adoecimento e consequências muito mais sérias. Aparentemente, apesar da posterior reação obtusa de parte dos representantes republicanos, os Americanos aprenderam com os erros cometidos, após a catástrofe que o furacão Katrina provocou em Nova Orleans, em 2005.

Em período equivalente, durante os meses de outubro e novembro, enquanto a catástrofe natural afetava parte dos Estados Unidos, a população Paulista enfrentava o aparente ápice de um desastre antropogênico, em forma de violência urbana. E guardadas as devidas proporções entre a destruição causada lá e as mortes aqui – sem esquecer que o número de vítimas fatais no Brasil é maior – as consequências emocionais dos recorrentes atentados que afligem o estado de São Paulo, provocaram os mesmos sentimentos de desamparo e perda de referenciais sociais que apresentam resposta à fragilidade humana, com potencial para afetar a estabilidade psíquica das pessoas, de forma devastadora, e para algumas, talvez permanentemente.

Populações expostas em ambientes adversos extremos estão sujeitas ao adoecimento por Patologias por Disrupção, que contemplam os Transtornos por Ansiedade e os quadros de Angústia. Em ambos os casos, há necessidade de acompanhamento especializado, e quando essa a oferta de suporte psíquico não acontece, os riscos de desenvolvimento de comorbidade prognóstica aumentam exponencialmente.

É desalentador observar como o Governo Federal, o Governo do Estado, e seus Ministérios e Secretarias têm agido com relação à situação da Segurança Pública no Estado de São Paulo. Ao alternarem-se em declarações irresponsáveis, ora negando o óbvio, ora trocando acusações ou questionando políticas de oferta de apoio e verbas, apenas para mencionar alguns das vergonhosas cenas protagonizadas, os mandatários da União e Estado prestam um desserviço não só à Segurança, mas também à Saúde da população. Enquanto os nossos gestores públicos exercitam a sua incapacidade como líderes e insistem em promover disputas partidárias com dinheiro público, a população sem mantém exposta ao risco, tentando encontrar uma forma de elaborar mentalmente a percepção de desamparo diante do ambiente ameaçador em que vive, e que ataca sua estabilidade psíquica diariamente. Entre as consequências mais imediatas e perceptíveis, desse abandono da população por parte do Estado, iremos observar o aumento estatístico no consumo de álcool, tranquilizantes lícitos e drogas, problemas associados aos transtornos de ansiedade, como TEPT, fobias e síndrome do pânico, entre outros, e o acionamento e agravamento de quadros psicossomáticos e doenças classificadas em outros grupos de transtornos e distorções da personalidade e do comportamento, por vezes incapacitantes.